sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A ERA DA SINCRONICIDADE


Doutor Imposto
Publicado no Jornal Maskate dia 14/01/2016 - A024

Não faz muito tempo, o cartão de crédito era encaixado numa maquininha e pressionado contra um formulário de papel-carbono. O cliente ainda tinha que assinar o tal formulário carbonado para concluir o processo de compra numa loja. Semanas depois as informações entravam num sistema computadorizado. Por vários anos uma série de obrigações acessórias era datilografada em fichas e depois apresentadas aos órgãos fazendários. O processamento da papelada dependia da agilidade dos digitadores. Veio então o disquete a conferir integridade da informação gerada pelo próprio contribuinte. A grande revolução foi promovida pelo potencial infinito da internet. Mesmo assim, o conceito original lá do passado perdurava. Ou seja, a informação continuava sendo construída pelo contribuinte a partir da sua base crua de dados. A tecnologia seguiu evoluindo até que, finalmente, o governo lançou o Sistema Público de Escrituração Digital.

O SPED é uma mistura dos filmes Matrix, Alien, e Sexta-Feira 13. O propósito dos entes fazendários é se entranhar na vida do contribuinte de tal modo que o Fisco quer saber quantas vezes o coração bate ou cada olho pisca. Pode-se ainda afirmar que o SPED é uma espécie de papagaio de pirata pousado no ombro do contribuinte, observando tudo o que ele faz. Nasce assim o conceito da sincronicidade. Não aquele constituído por Carl Gustav Jung, mas um sincronismo entre a ocorrência de cada fato patrimonial e sua respectiva leitura pelo Fisco. É isso que acontece na emissão da nota fiscal eletrônica. Entretanto, várias informações continuam sendo processadas e só posteriormente comunicadas ao Fisco, tal qual ocorre com a escrituração contábil.

O projeto e-Social, ainda atravancado por vários problemas, promete dar uma chacoalhada nos procedimentos operacionais da área de gestão de pessoas. Nesse novo sistema, a sincronicidade vem com força total, uma vez que cada evento será transmitido ao SPED no momento em que o fato acontecer. Se a coisa funcionar a contento não é difícil imaginar que lá na frente a dita sincronicidade seja estendida a todos os módulos do SPED. Poderemos ter no futuro um ERP pai de todos os ERP empresariais.

Hoje, o fornecedor vende, o governo sabe no exato instante; o cliente recebe, e o mesmo acontece através da Manifestação do Destinatário. Amanhã, todo pagamento, todo recebimento, toda ordem de produção, todo produto fabricado, toda mercadoria estocada, todo funcionário admitido, tudo será comunicado instantaneamente ao SPED. Não à toa, sabe-se há muito tempo do projeto Central de Balanços, baseado na tecnologia XBRL. De posse de todos os dados o governo irá fazer o balanço das empresas, tal qual já ocorre no universo das declarações de imposto de renda pessoa física. Fato concreto é que estamos num caminho sem volta. Em vez de resistir, o melhor a fazer é se ajustar aos novos tempos. O que não combina nada com nada é o progressivo controle fiscal com o descalabro da corrupção sistêmica. Como pode um governo corrupto exigir honestidade do empresário?


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